Rezar com a nossa história para a purificação da memória| Palavra do Fundador - Março 2024

 

Rezar com a nossa história paraa purificação da memória

Refletir sobre este mês de Quaresma dá-nos a oportunidade de agradecer ao Senhor que nos criou, pelos dons que nos confiou e os quais usufruímos todos os dias: as nossas faculdades exteriores (os nossos sentidos e a nossa mobilidade) e as nossas faculdades interiores (inteligência, vontade e memória). Devemos dar graças pela nossa memória e, para sermos mais precisos, pelas “nossas memórias”, como capacidade de manter vivo na nossa mente “o que é bom, o que agrada a Deus, o que é perfeito” (Rm 12, 2b).

A purificação da memória faz parte da preparação para um jubileu: colocar as nossas histórias pessoais e coletivas sob o olhar misericordioso de Deus. Nos textos bíblicos, a atividade positiva da memória tem grande importância a serviço da fidelidade aos mandamentos divinos e à Santa Palavra. O livro do Deuteronômio na Bíblia é chamado “o Livro da Memória de Israel”. Este esforço de memorização das Escrituras está no centro de toda a catequese judaica e cristã: “Apenas fica atento a ti mesmo! Presta muita atenção em tua vida, para não te esqueceres das coisas que os teus olhos viram, e para que elas nunca se apartem do teu coração, em nenhum dia da tua vida. Ensina-as aos teus filhos e aos teus netos.” (Dt 4, 9) “Bendize ao Senhor, ó minha alma, e tudo o que há em mim ao Seu nome santo! Bendize ao Senhor, ó minha alma, e não esqueças nenhum dos seus benefícios. É Ele quem perdoa tua culpa toda e cura todos os teus males. É ele quem redime tua vida da cova e te coroa de amor e compaixão. É ele quem sacia teus anos de bens e, como a da águia, tua juventude se renova.” (Sl 103 (102), 1-5) “Lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado dentre os mortos.” (2Tm 2, 8)

O que é “a memória do coração”?

Santo Agostinho debruçou-se sobre a faculdade da memória, mais ainda do que outros autores e Padres da Igreja. É por isso que o citaremos, longamente, neste artigo. Nos seus escritos, Agostinho refere-se em numerosas ocasiões às três faculdades humanas unidas e postas ao serviço de Deus:

“Na memória, para nos lembrarmos de Deus; na inteligência, para O conhecermos; na vontade, para O amarmos.” 1 Descreve também a atividade complementar das três faculdades interiores do nosso espírito: “Consideremos na alma humana estas três coisas: a memória, a inteligência e a vontade: as três atuam em tudo o que fazemos. E quando cada uma delas é regulada de acordo com o bem e a verdade, todas as nossas ações são boas e justas; isto é, quando a nossa memória não é enganada por um lapso, nem a nossa inteligência por um erro, nem a nossa vontade por algo injusto. É assim que somos recriados à imagem de Deus. Todas as nossas ações são, portanto, realizadas por estas três faculdades; nunca agimos sem que as três estejam a agir ao mesmo tempo.” 2

Basta lermos alguns capítulos das Confissões 3 para termos uma ideia da importância que Agostinho atribui à faculdade e ao papel da memória.

A memória das bênçãos de Deus

Não é raro, por vezes, esquecermos os benefícios que Deus já trouxe à nossa vida e sofrermos de amnésia espiritual. Tal como, por vezes, descobrimos que temos uma memória seletiva, retendo apenas o que preferimos, muitas vezes em detrimento do que é essencial. Seria certamente mais correto ter uma consciência firme do que escolhemos deixar gravado nos arquivos do nosso ser interior. Santo Agostinho louva a Deus por ter sido recebido por Ele como um dom:

“Porque então, eu já existia, vivia, sentia, cuidava da minha integridade, eco de tua profunda unidade, fonte de minha existência. Guardava também, com o secreto instinto, a integridade dos meus outros sentidos, e deleitava-me com a verdade nos pequenos pensamentos que formava sobre coisas pequenas. Não queria ser enganado, tinha boa memória, e me ia instruindo com a conversação. Alegrava-me com a amizade, fugia à dor, ao desprezo, à ignorância. E não seria isto, em tal criatura, digno de admiração e de louvor? Pois todas essas coisas são dons do meu Deus, que eu não dei a mim mesmo. E todos são bons, e tudo isso constitui o meu eu. O que me criou, portanto, é bom, e Ele próprio é o meu bem; a Ele louvo por todos estes bens que integravam meu ser de criança.” 4

É interessante ler as Confissões de Agostinho, nas quais ele conta a sua juventude entre os 19 e os 30 anos. Foi batizado aos 33 anos, em Milão, por Santo Ambrósio. “Era com admiração que me recordava diligentemente do longo tempo decorrido desde meus dezenove anos, quando comecei a arder no desejo da sabedoria, propondo-me, quando a achasse, abandonar todas as vãs esperanças e enganosas loucuras das paixões. Chegado porém aos trinta anos, ainda continuava preso ao mesmo lodaçal, ávido de gozar dos bens presentes, que me fugiam e me dissipavam. Entretanto, dizia: ‘Amanhã hei de encontrá-la; a verdade aparecerá clara, e a abraçarei’.” 5

A memorização da Palavra Divina

A memorização da Palavra (ou a manducação da Palavra) é conhecida e praticada tanto na tradição bíblica como na vida monástica. A memória, a inteligência e a imaginação são as faculdades a que o leitor assíduo das Escrituras recorre: “Pois o que mais ouvir, ler e depositar copiosamente coisas na memória, senão vários processos de beber? O Senhor, entretanto, predisse a respeito de Seus seguidores fiéis que, mesmo que bebessem qualquer coisa mortal, não os faria mal (cf. Mc 16, 18).” 6

Agostinho descreve mesmo esta ruminação da Palavra com uma imagem: “O pão que o ouvido deposita no estômago da tua memória” 7. Assim, continua Agostinho, “‘tesouro precioso descansa na boca do sábio, mas o insensato o engole’. Em resumo: O sábio rumina, o estulto não rumina” 8. Para o bispo de Hipona, se a memória está ligada à fonte da doutrina divina, ela é capaz de discernir e aprovar o que é louvável e condenar o que é nocivo, “o veneno”, que provém das falsas doutrinas. “Vejo, na tua alma, duas faculdades, a memória e o pensamento: são, por assim dizer, a ponta e o olho desta alma (...) Esta cidade (Cartago) formou-se então aí? Não, porque já existia, mas estava escondida; e por que estava escondida? Porque o teu pensamento estava concentrado noutro lugar; mas assim que o teu pensamento se voltou para o que tinhas anteriormente confiado à tua memória, Cartago tornou-se presente para a tua alma, e a tua alma de alguma forma teve um vislumbre claro dela.” 9 Santo Agostinho diz ainda: “A prudência é o conhecimento do que é bom, do que é mau e do que é indiferente. Consiste na memória, na inteligência e na previsão. A memória é a faculdade que recorda ao espírito o que foi. A inteligência é aquela que percebe o que é. Através da previsão, a mente vê o que há-de ser antes de acontecer.” 10

A memorização das palavras de Jesus, dos versículos bíblicos importantes, dos Dez Mandamentos, dos testemunhos de fé, das orações litúrgicas e dos conceitos doutrinais fundamentais é uma necessidade no nosso mundo moderno, afetado por um frenesi de palavras e informações rápidas e efêmeras. Para Santo Agostinho, o que fica registrado na memória é “o que tem peso”: “Esta memória é para ele, de certo modo, uma pedra escrita, que é mais um fardo do que um ornamento: trata-se de um peso e não de um título de honra.” 11 A Epístola de São Tiago sublinha a importância de pôr em prática a Palavra do Senhor. “Tornai-vos praticantes da Palavra e não simples ouvintes, enganando- vos a vós mesmos!” (Tg 1,22)

“Fazer memória” nas nossas orações e na celebração da Eucaristia

Acolhendo o convite de Jesus no Cenáculo: “Tomai e comei... Bebei dele todos...” (Mt 26,26.28), os apóstolos entraram pela primeira vez em comunhão sacramental com Ele. A partir desse momento até o fim dos tempos, a Igreja constrói-se através da comunhão sacramental com o Filho de Deus imolado por nós: “’Fazei isto em memória de mim’... ‘todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim’.” (Lc 22,19; 1 Cor 11,24-25) O mandamento de Jesus é: “Fazei isto em memória de mim” (Cf. Lc 22,19). Para o Evangelista São João, este mandamento está fundamentalmente ligado ao pedido do serviço da humildade fraterna: “deveis lavar-vos os pés uns aos outros” (Jo 13,14).

Neste sentido, São João Paulo II sublinha o que é a memória da Igreja: “A Igreja é, por sua íntima natureza, a ‘memória’, o ‘sacramento’ da presença e da ação de Jesus Cristo no meio de nós e por nós.” 12 Como já vimos, Maria, como modelo e espelho da Igreja, vive na sua memória a ligação entre a Escritura e a Eucaristia, como sublinha São João Paulo II: “Ao mesmo tempo Maria recorda as maravilhas operadas por Deus ao longo da história da salvação, segundo a promessa feita aos nossos pais (cf. Lc 1, 55), anunciando a maravilha mais sublime de todas: a encarnação redentora.” 13

Fazer memória daqueles que amamos

Para o Apóstolo Paulo, lembrar-se dos seus irmãos e irmãs nas suas orações é vivido como a verificação, diante de Deus, do seu amor de caridade. Foi assim que ele escreveu aos Filipenses: “Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós, e sempre em todas as minhas súplicas oro por todos vós com alegria, pela vossa participação no evangelho (…) porque vos tenho no meu coração, a todos vós que, nas minhas prisões e na defesa e afirmação do evangelho, comigo vos tornastes participantes da graça. Deus me é testemunha de que eu vos amo a todos com a ternura de Cristo Jesus.” (Fl 1, 3-5. 7-8)

O mesmo testemunho é comentado por Santo Agostinho: “Quem se lembra dos mandamentos do Senhor e os guarda na sua maneira de viver, quem os lembra na sua linguagem e os guarda nos seus costumes, quem os ouve e os guarda praticando-os, ou quem os pratica e os guarda perseverando neles, ‘esse é aquele’, diz Ele, ‘que me ama’. É pelas obras que o amor deve manifestar-se, se quiser ser outra coisa que não um nome vão.” 14

A necessidade da purificação da memória

Na Antiga Aliança, a celebração do Jubileu permitia aos israelitas fazer memória da sua escravidão, agradecendo a sua libertação por iniciativa poderosa de Deus, mas esta celebração oferecia-lhes também a oportunidade de restabelecer uma ordem mais justa, ao serviço do bem do povo. Na Igreja, a celebração do Jubileu sempre foi vivida como um momento de alegre celebração da salvação oferecida em Cristo, mas também como uma oportunidade especial de penitência e reconciliação pelos pecados presentes na vida do povo de Deus. Desde o século XIV, a dimensão penitencial da peregrinação ao túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo está associada à obtenção de uma indulgência excepcional, para conceder, juntamente com o perdão sacramental, a remissão (total ou parcial) das penas associadas aos pecados. O Papa Paulo VI escolheu como tema do primeiro Ano Santo celebrado depois do Concílio (em 1975) “Renovação e Reconciliação”. Mas foi sobretudo a partir do Papa São João Paulo II que se tomou maior consciência das faltas do passado da Igreja e da necessidade de pedir perdão a Deus pelos comportamentos vividos ao longo da sua história. Na sua Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, o Papa deseja que o Jubileu do Ano 2000 seja uma oportunidade para purificar a memória da Igreja de todas as “formas de antitestemunho e de escândalo […] ao longo dos últimos dez séculos” 15.

Porque precisamos “purificar a nossa memória”? Ninguém pode negar que há vários tipos de memória na nossa vida. Entre elas, a memória que glorifica Deus, mas há também a memória que é egoísta ou infiel. Neste segundo caso, podemos por vezes fazer de nós próprios o centro da nossa vida. Santo Agostinho assinala a diferença que existe nas intenções mais profundas do coração humano: “‘Gloriai-vos todos vós, retos de coração’. Qual o sentido da expressão: ‘retos de coração?’ São aqueles que não resistem a Deus. Preste atenção, V. Caridade, para compreender o que é reto de coração. Esta é a diferença entre coração reto e coração malvado: Reto de coração é aquele que, sofrendo contra a sua vontade, aflições, tristezas, trabalhos, humilhações atribui tudo isso à justa vontade de Deus e não a julga insensata, como se não soubesse Deus o que faz, porque castiga a um e a outros poupa. Malvados de coração, maus e perversos aqueles que dizem serem injustos os males que sofrem.” 16

Somos chamados a fixar as verdades essenciais da Palavra de Deus, na nossa memória, na nossa inteligência e no nosso coração, a fim de que eles se impregnem em toda a nossa vida e em todas as nossas ações. A parábola evangélica do servo que não perdoa (cf. Mt 18,23-35) conclui-se com esta declaração de Jesus: “Eis como meu Pai celeste agirá convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, ao seu irmão.” (Mt 18, 35) É a memória, este “fundo do coração”, que o Espírito do Salvador quer visitar e santificar. “O coração que se entrega ao Espírito Santo muda a ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em intercessão.” 17 As feridas pessoais são “focos” vulneráveis das nossas fragilidades humanas, que necessitam da graça da purificação, da pacificação e da santificação das nossas memórias. Para isso, é preciso fazer uma correta interpretação histórica e eclesial, para distinguir entre a ação da Igreja, enquanto comunidade de fé, e a da sociedade num determinado momento. Requer também que se faça uma distinção entre a Igreja como instituição e cada pessoa que pertence à Igreja, com a sua cotaparte de culpa e responsabilidade pessoal. A teologia da Igreja distingue entre a fidelidade e a santidade da Igreja e as fraquezas dos seus membros; entre a Igreja como “Pessoa” e o “pessoal” da Igreja. A Igreja é, ao mesmo tempo, santa e sempre necessitada de purificação... É preciso conciliar estes dois aspectos: por um lado, a afirmação da fé na santidade da Igreja e, por outro, a necessidade incessante de penitência e de purificação dos seus membros.

“A Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação.” 18 A Igreja é convidada a assumir “com maior consciência o peso do pecado dos seus filhos”. Ela “reconhece sempre como seus […] os filhos pecadores” e “os impele a purificarem-se, pelo arrependimento, de erros, infidelidades, incoerências e lentidões” 19. “A Igreja reúne, pois, em si, pecadores abrangidos pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação.” 20 No seu comentário aos Salmos, Santo Agostinho declara: “‘Ruiu com estrépito a lembrança deles’ (Sl 9, 7), dos ímpios. ‘Com estrépito’, porque é com ruído que se derruba a impiedade, pois apenas alcança a paz suprema, onde reina silêncio absoluto, quem anteriormente combateu com grande estrépito contra os vícios; ou, ‘com estrépito’ a fim de que a lembrança dos ímpios pereça, terminando até o próprio barulho da amotinação da impiedade.” 21

Santo Tomás de Aquino recorda que a plenitude da santidade pertence ao tempo escatológico, razão pela qual a Igreja peregrina não pode pretender ser isenta de pecado: “Que a Igreja seja gloriosa, sem mácula nem ruga, é o objetivo final para o qual tendemos em virtude da paixão de Cristo. Isto apenas existirá, no entanto, na pátria eterna, e não já na peregrinação; aqui […] enganar-nos-íamos se disséssemos não ter qualquer pecado.” 22 Sobre a purificação da memória, o Catecismo da Igreja cita este argumento de São Jerônimo: “Quando os fiéis se esforçam por confessar todos os pecados de que se lembram, não se pode duvidar de que os apresentam todos ao perdão da misericórdia divina. Os que procedem de modo diverso, e conscientemente ocultam alguns, esses não apresentam à bondade divina nada que ela possa perdoar por intermédio do sacerdote. Porque, ‘se o doente tem vergonha de descobrir a sua ferida ao médico, a medicina não pode curar o que ignora’.” 23

Por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000, o Papa João Paulo II recordou as palavras do Evangelho de Lucas: “Duc in altum!” (Lc 5, 4), convidando todos a “lembrar com gratidão o passado, a viver com paixão o presente, abrir-se com confiança ao futuro” 24. “Olhamos frequentemente para o novo milênio que começa, vivendo o Jubileu não só como lembrança do passado, mas também como profecia do futuro. Agora é preciso guardar o tesouro da graça recebida, traduzindo-a em ardentes propósitos e diretrizes concretas de ação.” 25 “A Igreja não pode preparar-se para esse Jubileu de outro modo que não seja no Espírito Santo. Aquilo que ‘na plenitude dos tempos’ se realizou por obra do Espírito Santo, só por Sua obra pode emergir agora da memória da Igreja. É por Sua obra, que isso pode tornar-se presente na nova fase da história do homem sobre a terra: o ano 2000 depois do nascimento de Cristo.” 26

A memória sagrada da Igreja

É a Igreja que, na sua Tradição, é a guardiã da memória: “A Igreja, que é ‘coluna e apoio da verdade’ (1 Tm 3, 15), guarda fielmente a fé transmitida aos santos de uma vez por todas. É ela que guarda a memória das palavras de Cristo. É ela que transmite, de geração em geração, a confissão de fé dos Apóstolos.” 27 O Catecismo continua: “Ler a Escritura na ‘tradição viva de toda a Igreja’. […] a Igreja conserva na sua Tradição a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espiritual da Escritura 28.” 29 “A liturgia é o memorial do mistério da salvação. O Espírito Santo é a memória viva da Igreja (cf. Jo 14, 26).” 30 Por fim, Santo Agostinho encoraja os seus jovens discípulos e amigos a tomar notas, para ajudar a sua memória a fixar as verdades essenciais: “Como a memória é frágil, quis escrever o que temos discutido, para que estes rapazes aprendam ao mesmo tempo a dar atenção a estas questões, e a atacar ou defender.” 31

Finalmente, com a oração do Pai Nosso, São Francisco de Sales comenta a chegada do Reino do Senhor a cada uma das nossas faculdades naturais: “Pai nosso, venha a nós o Vosso reino”. “Reinai doravante na minha alma: na minha memória, para que se lembre sempre de Vós; no meu entendimento, para que considere sempre a Vossa infinita bondade e a Vossa grandeza; na minha vontade, para que Vos ame, louve e bendiga sem cessar. Reinai, ó Pai, no meu corpo e em todos os seus sentidos, para que ele se dedique inteiramente ao Vosso santo serviço e para que eu seja um reino onde reine pacificamente a Vossa Majestade pelos séculos dos séculos.” 32 Na Igreja, é aos bispos que é mais particularmente confiado o serviço de manter viva a memória da Igreja: “O carisma e a função da ‘episcope’ estão especificamente relacionados com o ministério da memória, que renova constantemente a Igreja na Esperança. Através desse ministério, o Espírito Santo mantém viva na Igreja a memória do que Deus fez e revelou, e a esperança do que Deus fará para unir todas as coisas em Cristo. Desse modo, não apenas de geração para geração, mas também de lugar para lugar, a fé única é comunicada e vivida. […] o ‘sensus fidelium’ do povo de Deus e o ministério da memória existem juntos em relação recíproca.” 33

São João Paulo II escreveu neste sentido na sua Carta às Famílias (1994): “‘Que é o homem, para Vos lembrardes dele?’ (Sl 8, 5), pergunta-se o Salmista. A oração é o espaço onde, do modo mais simples, se manifesta a recordação criadora e paterna de Deus: não apenas e nem tanto a recordação de Deus por parte do homem, como sobretudo a recordação do homem por parte de Deus. Por isso, a oração da comunidade familiar pode tornar-se lugar da recordação comum e recíproca: efetivamente, a família é comunidade de gerações. Na oração, todos devem estar presentes: aqueles que vivem e os que já morreram, como também quantos ainda devem vir ao mundo.” 34 Assim encorajados, continuemos todos e em conjunto a viver o que o Papa Francisco recomendou na sua Carta Apostólica a todas as Pessoas Consagradas: “Olhar com gratidão o passado, viver com paixão o presente, abraçar com esperança o futuro!” 35


Fontes:

Cf. Santo Agostinho, Contra Faustus, Contra Fausto, cap. XIX.

2 Cf. Santo Agostinho, Contra a doutrina dos Arianos, n. 553.

3 Cf. Idem, Confissões, Livro X, cap. VIII-XXII.

4 Santo Agostinho, Confissões, Livro I, cap. XX.

5 Santo Agostinho, Livro VI, cap. XI.

6 Idem, Sobre a Alma e a sua origem, Livro II, cap. XVII.

7 Cf. Idem, Livro II, cap. I, 664.

8 Idem, Comentário ao Salmo 141, 1.

9 Santo Agostinho, Comentário sobre João, n. 23, 11.

10 Cf. Idem, Questões sobre Cícero, 83.

11 Cf. Idem, Comentário sobre o Salmo 119, Sermão XXXIII-XXXVI.

12 São João Paulo II, Pastores Dabo Vobis, 1992, n. 65.

13 Idem, Ecclesia de Eucaristia, 2003, n. 58.

14 Santo Agostinho, Comentário sobre João, n. 75, 5.

15 São João Paulo II, Tertio millennio adveniente, 1994, n. 33-36.

16 Santo Agostinho, Sermão sobre o Salmo 31.

17 Catecismo da Igreja Católica, n. 2843.

18 Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 8;

cf. Decreto Unitatis redintegratio, n. 6.

19 Cf. São João Paulo II, Tertio millennio adveniente, n. 33.

20 Catecismo da Igreja Católica, n. 827.

21 Santo Agostinho, Comentário sobre o Salmo 109.

22 Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica III q.8 a.3 ad 2.

23 São Jerônimo, Commentarius in Ecclesiasten, 10, 1, citado em Catecismo da Igreja Católica, n. 1456.

24 São João Paulo II, Novo millenio ineunte, 200 1 , n . 1 . 25Ibid., n. 3.

26 Idem, Dominum et vivicantem, 1986. n. 51.

27 Catecismo da Igreja Católica, n. 171.

28 cf. Orígenes, Homiliae in Leviticum 5, 5.

29 Catecismo da Igreja Católica, n. 11 3 . 30Ibid., n. 1099.

31 Santo Agostinho, Contra os Académicos, Livro II, cap. IX.

32 São Francisco de Sales, Comentário sobre o Pai Nosso, do Sermão para a Festa de Todos-os-Santos, 1 de novembro de 1621, Tomo X, 138.

33 Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, O dom da autoridade, 1999, n. 30.

34 São João Paulo II, Carta às Famílias, 1994, n. 10.

35 Papa Francisco, Carta Apostólica às Pessoas Consagradas para a Proclamação do Ano da Vida Consagrada, 21 de novembro de 2014, n. 1-3.