Rezar com os três ministérios: Mariano, Petrino e Paulino | Palavra do fundador - Fevereiro 2024

 

Rezar com os três ministérios: Mariano, Petrino e Paulino

A Bem-aventurada Virgem Maria é, de modo Singular, a jovem virgem bíblica, a “Filha de Sião”, profundamente orante e conhecedora de Deus e da Sua Palavra. Os versos do seu Magnificat revelam uma imensa ação de graças e um conhecimento profundamente inspirado das Sagradas Escrituras. Como escreveu o Papa Bento XVI, o Magnificat é uma oração “inteiramente tecida de fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus” 1.

Ela mesma se oferece e se consagra ao Senhor na Anunciação, como “serva” da Palavra (cf. Lc 1, 38). Maria é totalmente receptiva e obediente no seu fiat, abrindo definitivamente a porta da graça divina à Encarnação do Verbo. Na sua pessoa, ela representa a Igreja nascente, da qual é o modelo. Nos nossos dias, em que certas correntes se manifestam a favor do empoderamento das mulheres na Igreja, nunca esqueçamos o quanto o princípio mariano valoriza, como nenhum outro, o mistério da mulher. Não se trata de reproduzir o poder masculino ou, menos ainda, a autoridade “machista”, mas de se deixar reconhecer numa primazia e beleza espirituais inigualáveis.

Maria é a primeira no caminho da fé e da santidade, e acompanha a Igreja até o fim dos tempos. Primeira a aproximar-se da cruz do seu Filho, primeira no sepulcro com as santas mulheres, é também a primeira, a partir do Cenáculo de Jerusalém, na peregrinação terrena da fé, acompanhada e escoltada por todos os santos até o fim dos tempos. É este sinal da diaconia da Beleza e da Fé que a iconografia transmite:

“‘A beleza e a cor das imagens estimulam minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a dar glória a Deus’ 2. A contemplação dos ícones santos, associada à meditação da Palavra de Deus e ao canto dos hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração para que o mistério celebrado se grave na memória do coração e se exprima em seguida na vida nova dos fiéis.” 3

O Papa João Paulo II sublinhou a beleza e o papel deste ministério mariano ao serviço da Igreja e dos seus pastores:

Na hierarquia da santidade, precisamente a ‘mulher’, Maria de Nazaré, é ‘figura’ da Igreja. Ela ‘precede’ todos no caminho rumo à santidade; na sua pessoa ‘a Igreja já atingiu a perfeição, pela qual existe sem mácula e sem ruga’ (cf. Ef 5, 27) 4. Neste sentido, pode-se dizer que a Igreja é conjuntamente ‘mariana’ e ‘apostólico-petrina’.” 5 A Virgem Maria acompanha a Igreja ao longo de toda a sua história, através do seu espírito de fé e de uma viva e contínua memória dos mistérios da vida e da Paixão do seu Filho, recebendo as inspirações Dele numa perpétua contemplação e intercessão, impelida pelo fogo do divino amor do Espírito. Entre os testemunhos marianos, seria interessante descobrir a lista das aparições da Virgem Maria na história da Igreja, para compreender o percurso histórico do princípio mariano, com as inumeráveis invocações da maternidade de Maria, sustentando a Igreja em seus diversos membros nesta vida terrena. A santa Mãe de Deus continua a ser para a Igreja, e para cada um dos seus pastores, uma mestra na escuta e na prática da Palavra divina. Maria, ao longo dos séculos da Igreja, continua a ser a memória da Encarnação do Verbo, acompanhando os sucessores de Pedro e os bispos, para que guardem com fidelidade e comunhão, a Tradição viva da Igreja. Como sublinhou o último Concílio:

A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2 Pd 3,10).” 6

Através do seu lema “Totus tuus”, o Papa São João Paulo II sublinhou a importância particular da presença de Maria, Mãe e Rainha da Igreja, no seu ministério de sucessor de Pedro. Ele próprio afirma:

O contemplar de Maria é, antes de mais, um recordar. Convém, no entanto, entender esta palavra no sentido bíblico da memória (zakar), que atualiza as obras realizadas por Deus na história da salvação. A Bíblia é narração de acontecimentos salvíficos, que culminam no mesmo Cristo. Estes acontecimentos não constituem somente um ‘ontem’; são também o ‘hoje’ da salvação. Esta atualização realiza-se particularmente na Liturgia.” 7

Pedro, com as chaves, Paulo, com a espada

As duas grandes estátuas (19 m de altura) que os peregrinos veem na frente da Basílica de São Pedro, em Roma, são dos dois Apóstolos: Pedro (à esquerda) e Paulo (à direita). Pedro tem na mão as chaves do Reino (uma alusão a Mt 16,13-19), e Paulo tem na mão a espada (simbolizando a Palavra de Deus, cf. Hb 4,12). Pedro foi o primeiro a visitar a comunidade cristã romana e morreu crucificado em Roma, por volta de 64, sob o imperador Nero. Paulo chegou a Roma provavelmente depois de Pedro (por volta de 60-61) e morreu degolado pela espada em Roma por volta de 67. Assim, depois de Jerusalém, a Igreja de Roma tornou-se o coração da Igreja Apostólica na capital do Império Romano, começando com o martírio de Pedro e continuando depois com o de Paulo. Os dois Apóstolos, Pedro e Paulo, foram martirizados depois de terem confirmado os irmãos e irmãs da comunidade romana e de aí terem sido encarcerados (na prisão de Mamertime, a prisão subterrânea de Roma, escavada vários séculos antes de Cristo). Ambos são considerados os fundadores da Igreja de Roma.

Os escritos do Novo Testamento não fornecem qualquer informação sobre as viagens do Apóstolo Pedro ou sobre a sua chegada a Roma. A Epístola de Paulo aos Romanos (escrita por volta do ano 57), mostra que Paulo não tinha conhecimento — na altura em que foi escrita — da presença de Pedro em Roma. O argumento da presença de Pedro em Roma deve, portanto, ser encontrado em textos não bíblicos. Por exemplo, é a Primeira Epístola do Papa Clemente de Roma aos Coríntios, datada do final do século I, que fornece informações sobre o martírio dos dois Apóstolos. Para os especialistas e historiadores, a simples menção de Pedro e Paulo por Clemente é prova suficiente da sua presença em Roma e sinal de que eram conhecidos do Papa Clemente e da comunidade de Roma.

O ministério petrino

Imediatamente após a ascensão do Senhor, Pedro, os apóstolos e os outros discípulos retiraram-se para o Cenáculo de Jerusalém para um retiro de oração de nove dias. Escola de oração e de preparação para a vinda do Espírito Santo, este retiro foi orientado pela Virgem Maria (cf. At 1,12-14), que, alguns anos antes, tinha sido “coberta pela Sua sombra” (Lc 1,35). No Cenáculo, São Lucas conta-nos: todos rezavam, a Virgem Maria estava presente, acompanhando a espera do Espírito Santo sobre os apóstolos e os discípulos reunidos. Pedro é a única voz que se levanta e preside com autoridade. Ele tinha sido chamado e escolhido pelo próprio Cristo para ser pastor entre os apóstolos (cf. Mt 16, 13-19). No início do século III, surgiu a tradição de que o Apóstolo Pedro teria sido crucificado de cabeça para baixo em Roma, durante a perseguição de Nero, crucificação essa descrita numa página dos Anais de Tácito.

Após o incêndio criminoso de 64, não havia mais nenhum lugar em Roma onde se pudesse exibir a visão sinistra dos muitos condenados crucificados, os quais costumavam ser colocados ao longo das estradas pelos romanos. Diz-se que a cruz de Pedro foi erigida, juntamente com outras mencionadas por Tácito, ao longo de uma das estradas nas imediações do circo que as escavações conseguiram localizar, ao longo do lado sul da atual Basílica de São Pedro. Por volta do ano 58 d.C., Paulo foi preso em Jerusalém pelos judeus mais legalistas (cf. At 21, 27ss) e levado para Cesareia perante o procurador Félix, que o manteve prisioneiro durante dois anos. Sucedeu-lhe Festo. Paulo, como cidadão romano, apelou para César. Foi por volta do ano 60 que Paulo chegou a Roma, depois de um naufrágio que o deteve em Malta durante três meses (cf. At 28,11). Em prisão domiciliária em Roma, de 61 a 63, goza de uma relativa liberdade: a custódia (a custodia libera) permite-lhe escrever várias das suas cartas e anunciar com convicção o Reino de Deus.

Eusébio de Cesareia (265-339), na sua História Eclesiástica, situa a execução de Paulo pela espada entre julho de 67 e junho de 68, apenas dois ou três anos antes da destruição do Templo e da cidade de Jerusalém por Tito. O zelo missionário paulino, que caracteriza o princípio paulino e toda a autêntica vida cristã, não reconhece em si mesmo, uma inspiração mariana direta. No entanto, o Apóstolo Paulo compreendeu Maria na sua missão com e para a Igreja, na sua participação única e cósmica, como “a mulher” (cf. Gl 4, 4), instrumento privilegiado na obra redentora do Filho de Deus e o seu papel na história da salvação. A Igreja de Roma ficará para sempre marcada pelo martírio de Pedro e Paulo. O Papa São Clemente de Roma escreveu aos Coríntios (finais do século I), referindo-se à multidão de fiéis que pereceram em Roma durante a perseguição de Nero e, em particular, aos Apóstolos Pedro e Paulo:

Fixemos nossos olhos sobre os valorosos Apóstolos: Pedro, que por ciúme injusto não suportou apenas uma ou duas, mas numerosas provas e, depois de assim render testemunho, chegou ao merecido lugar da glória. Por ciúme e discórdia, Paulo ostentou o preço da paciência (…) dando testemunho diante das autoridades. Assim, deixou o mundo e foi buscar o lugar santo.” 8

Pedro, e os seus sucessores no ministério petrino, receberam a graça de servir a unidade da Igreja, radicada na obra da misericórdia divina, e no seio do Colégio dos Bispos, sucessores dos Apóstolos. Paulo, por sua vez, recebeu tanto a graça de abrir a Igreja à universalidade do Amor salvífico de Deus, como a graça da liberdade missionária para fundar comunidades de fé em todos os lugares e culturas. Pedro e Paulo reuniram-se, no fim da vida, à Igreja de Roma, que os considerava os seus dois pilares. Ambos, antes de serem reconhecidos como colunas, tiveram de fazer a experiência da misericórdia divina: Pedro, depois da sua tripla negação (cf. Jo 18,17.25.26-27), e Paulo, tanto no caminho de Damasco, como no mistério do espinho na carne (cf. 2Cor 12). Após a era apostólica, a Igreja romana exerceu um ministério de presidência sobre as outras igrejas fundadas pelos apóstolos. Santo Inácio de Antioquia 9 atesta, no século II, que a Igreja de Roma exerce o episcopado (episkopè) sobre a Igreja de Antioquia temporariamente privada de bispo. A partir de Santo Irineu, no século II, a Igreja romana será reconhecida pelas gerações posteriores como a Igreja apostólica que “preside à caridade”, ou seja, a todo o mundo cristão. Um especialista na história do ministério petrino na Igreja explica como este princípio começou a ser aplicado:

A primeira manifestação de uma teologia petrina, depois do Novo Testamento, encontra-se no pensamento dos teólogos africanos Tertuliano e Cipriano. A figura de Pedro é exaltada como a origem do episcopado e de toda a Igreja. Esta teologia encontra nas palavras de Cristo a Pedro (cf. Mt 16,18) a fonte de todo o ministério na Igreja e a estrutura da própria Igreja. Os dois africanos (...) veem no bispo da ‘Igreja primitiva, [da Igreja] ‘raiz e germe’, o sinal efetivo, em si mesmo, da unidade de todo o episcopado, no qual cada bispo tem uma parte de propriedade indivisa com os outros’ 10. Para Cipriano, teólogo do primado petrino e da unidade do episcopado, a cathedra petri é o protótipo de toda a cátedra episcopal.” 11

Desde o século II e ao longo da história até os nossos dias, a barca do ministério petrino experimentou os ataques e as vicissitudes de muitas ondas durante as crises da história, mas nunca naufragou. No nosso tempo, é bom recordar este precioso serviço de unidade como algo útil para guiar o povo de Deus. Mais perto de nós, o Papa São João Paulo II, na Encíclica Ut unum sint 12, atualizou o modo de exercício do primado petrino. Após o martírio de Pedro, o princípio petrino perdura, representando a autoridade suprema da Igreja sobre a transmissão da Palavra, a celebração sacramental e litúrgica, a missão, a disciplina e a vida cristã. Este princípio esteve sempre ligado ao princípio mariano, do qual recebe a harmonia e a bússola da santidade. O Cardeal Hans Urs von Balthasar definiu este princípio da seguinte forma: “O elemento mariano governa de forma oculta na Igreja, como a mulher no lar doméstico”. Estas três dimensões da Igreja, “mariana, petrina e paulina”, encontram-se na sua mútua realização, que é a da caridade, o maior dos carismas. O Papa Bento XVI, na sua Encíclica “Deus Caritas Est”, testemunha a sua prioridade pastoral de edificar a Igreja “na caridade como comunhão de amor”. “

É preciso igualmente que eu veja Roma “ (At 19, 21) Alguns dos que lerem estas linhas serão peregrinos do Ano Santo de 2025 e irão rezar nos Limina Apostolorum (ou “Memoriais dos Apóstolos”), aqueles lugares santos de Roma (as duas basílicas de São Pedro e São Paulo), habitados pelos Apóstolos Pedro e Paulo, onde se veneram os seus túmulos, e graças aos quais Roma se tornou até hoje o centro da unidade católica. Que o Espírito do Senhor nos faça viver e arder com este amor mariano, apostólico, eclesial e missionário da caridade. Como filhos e filhas de Deus e da Igreja, nesta preparação para o Ano Jubilar, é justo e bom fomentar nos nossos corações: o espírito e a caridade mariana, o amor indefectível ao Santo Padre, sucessor de Pedro e o zelo renovado pela caridade missionária.


Fotes:

1 Papa Bento XVI, Verbum Domini, 2010, n. 28.

2 São João Damasceno, De sacris imaginibus oratio 1, 47.

3 Catecismo da Igreja Católica, n. 1162.

4 Cf. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium, 1964, n.

63. 65.; cf. São João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Mater, 1987, n. 2-6.

5 São João Paulo II, Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, 1988, n. 27.

6 Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, n. 68.

7 São João Paulo II, Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, n. 13.

8 São Clemente de Roma, Da Epístola aos Coríntios 3, 3-7.

9 Santo Inácio da Antioquia, Carta aos Romanos 9,1.

10 Cf. Tertualino, De unitate, 5.

11 Cf. D. Roland Minnerath, professor de História da Igreja, depois Arcebispo

de Dijon (França), Revue Communio, n. 24, 4, de julho-agosto de 1999.

12 Cf. São João Paulo II, Encíclica Ut unum sint, 25 de maio de 1995, n. 94-97.